quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A Glória de César e a espada de Brutus


A psicologia social, por certo, há de explicar porque o povo constrói seus mitos tanto pelas vitórias quanto pelos fracassos dos personagens. Aquiles, Alexandre, Hércules, César, Napoleão, são lembrados pelos triunfos. Outros heróis construíram o carisma nas vitórias dos adversários, atraindo, na queda e na dor, a simpatia dos seus admiradores. Tais são Prometeu, Heitor, o próprio Cristo, tão vitorioso no suplício, como Jesus não o foi em vida, os Santos Mártires, Joana d’Arc e, entre nós, Tiradentes.

A vitória do Cristianismo, em certo momento da civilização, ofuscou o brilho dos triunfadores do passado. Alcançar o paraíso passou a ser um projeto de vida. Se a vida eterna não era reservada aos vitoriosos, mas aos sofredores, a luta pela vida passou a ser um projeto espiritualmente contraditório. É por isso que alguns mitos revolucionários sobrevivem na memória do povo por terem sido vencidos, entre eles William Wallace, herói da Escócia, o nosso Alferes e Patrice Lumumba. Mas ninguém celebra o beijo de Judas ou o punhal de Brutus.

Essa reflexão vem a lume quando a Imprensa divulga as 85 (oitenta e cinco) mensagens entre a liderança da guerrilha colombiana (FARC) e alguns maiorais do atual governo brasileiro, apreendidas no computador do seu segundo maior comandante. Além da atuação de alguns políticos vê-se o papel de um Procurador da República interferindo a favor de um teólogo (embaixador da guerrilha) em processo de expulsão do país que acabou negada, graças a essa intervenção. Há, ainda, referência até mesmo a um Desembargador do Rio Grande do Sul, intelectual de renome, interessado em visitar e divulgar a vida dos acampamentos. São os mesmos que, com mais outros, embalam os sonhos desastrados do MST e da Via Campesina.

Muito distante desta realidade se encontra o ideário romântico tratado por Alexandre Dumas na história de Robin Hood, ou a do folclore dos Pampas, Martin Ferro. Certo que alguns intelectuais sempre procuraram estabelecer uma aura meio divina nos chamados “bandidos sociais”, tipo Jesse James ou Lampião. Herdeiros destes, no entanto, são Escadinha, Beira Mar e outros. Não é coincidência que Fernandinho tenha sido preso num acampamento das FARC, acolhido e protegido pelos capos do narcotráfico. Há, assim, uma ligação íntima entre FARC, narcotráfico, Comando Vermelho, MST e Via Campesina. É o que entendeu o Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Assim é que parte da intelectualidade e, até mesmo, da inteligência religiosa está ingenuamente contaminada por canções de gesta e novelas de cavaleiros andantes, romanticamente celebrados, mas tão grotescos hoje em dia e desde que Cervantes o demonstrou no seu caricato Dom Quixote. Digo de pessoas detentoras de conhecimento, de grau de inteligência elevado; não me refiro a simples espectadores de novelas de TV. Falo, então, de quem pode discernir entre os mitos de valor e uma saga de anti-heróis, que a história não consagrará. Refiro-me também aos militantes das FARC e aliados menores como o MST, Primeiro Comando, crime organizado e outros movimentos desestabilizadores da nossa vida social.

Tudo isso é perplexidade. É difícil compreender a relação de religiosos e de parte da própria Igreja Católica com esses organismos terroristas. É o caso do citado Padre Olivério Medina, embaixador das FARC no Brasil. Mas não surpreende o envolvimento de quadros do Governo. Estes o fazem porque participam de outro círculo político social, ou seja, do Jogo do Poder. Atuam no seu único, pessoal ou de grupo, interesse de manutenção no Poder. Causa-me náusea e repulsa, isto sim!

No Rio Grande do Sul, dois relatórios do Serviço Secreto da Brigada Militar revelam o envolvimento das FARC com o MST. Num deles, o coronel Waldir Reis Cerutti garante que o MST é financiado pelas FARC. “Análises do nosso sistema de inteligência permitem supor que o MST esteja em plena fase executiva de um arrojado plano estratégico, formulado a partir de tal 'convênio' (com as FARC), que inclui o domínio de um território em que o governo manda nada ou quase nada, e o MST e a Via Campesina, tudo ou quase tudo“.

Há pouco tempo, depondo na CPI da Terra, em Brasília, o técnico agrícola Gerôncio Jorge, que trabalhou, durante um ano e dois meses, para o MST, exibiu provas de que um guerrilheiro das FARC dava aulas de doutrinação ideológica para acampados (do blog de Ricardo Noblat). Consta que os contatos políticos de guerrilheiros das FARC e correntes esquerdistas do PT, como a Democracia Socialista, cuja estrela mais conhecida é o Ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, começaram antes mesmo da Criação do Fórum de São Paulo (“Veja” de 16/3/2005). Com esse no MDA avolumou-se o envolvimento de quadros ditos “revolucionários”, nas diversas esferas do importante órgão, “caput” do sistema fundiário, do INCRA e de outros departamentos do Governo, como denunciou a Revista colombiana “Cambio”, em edição recente.

O que nos causa espécie não é a publicação desses fatos, em si mesmos, pois já eram conhecidos. Surpreendente é o envolvimento e aplauso desse tipo de ação promiscua por parte de pessoas tão influentes na formação da opinião pública como são os intelectuais, os jornalistas, os teólogos e (porque não dizer?) membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, sem que haja uma onda de indignação na sociedade brasileira. Frei Betto, há poucos dias, escreveu artigo largamente divulgado, criticando as investigações policiais no Rio Grande do Sul e combatendo as denúncias do Ministério Público. Denúncias essas levadas a efeito depois de aprovadas pelo alto conselho dos Procuradores de Justiça do Estado. Só mesmo a psicologia poderá explicar essa conduta de parte da intelectualidade, na preocupação de sufocar a vergonha da indignidade com a celebração dos falsos mitos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Vitório,

Não poderia deixar de comentar esse seu texto.
Há muito a se discutir:
Qual adversário de Jesus foi vitorioso???? E não querendo diminuir ninguém não... mas Jesus não pode ser comparado ao resto da turma do seu texto, mesmo que ele não existisse e fosse tudo uma idéia mirabolante, uma jogada de marketing para a criação do Cristianismo, o Cara foi além das expectativas e no meu ponto de vista, nada chega aos pés dele. Aliás tenho uma fé inabalavel nele e no PAI dele.Para mim é tudo o que é dito a respeito dele é VERDADE!

Parabéns pelo texto!
Além de esclarecedor foi uma leitura muito gratificante.
Abraço
Alessandra