quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O GOVERNADOR DO PARANÁ E O TRATO DO CASO SYNGENTA


Foram presos na terça-feira, 11/12/07, o proprietário da NF Segurança, Nerci de Freitas, e dois seguranças da empresa, Alexandre Magno Winche Almeida e Alexandre de Jesus, todos acusados da morte de duas pessoas no confronto com invasores da Estação Experimental da Syngenta, em Santa Teresa do Oeste, no dia 21 de outubro. Dois líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e da Via Campesina estão foragidos.

A prisão preventiva foi decretada pelo juiz da 1ª. Vara Criminal de Cascavel “para garantia da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal”. A denúncia também atinge outras 13 pessoas. Rodrigo de Oliveira Ambrósio, segurança, e os líderes sem terra Celso Ribeiro Barbosa e Célia Aparecida Lourenço são procurados pela polícia.

A prisão dos seguranças, inclusive do dono da empresa, tinha sido pedida pela polícia por ocasião da conclusão do inquérito das mortes do segurança Fábio Ferreira, de 25 anos, e do invasor Valmir Mota de Oliveira, o Keno, de 42 anos. O Ministério Público conseguiu incluir no pedido os nomes dos líderes da Via Campesina, citando, entre outros crimes, homicídio com dolo eventual.
Enquanto isso, na segunda-feira, dia 10/12/07, cerca de 400 militantes, liderados pela Via Campesina e pelo MST, ocuparam uma unidade de produção de agrotóxicos da Syngenta, em Paulínia, São Paulo. A conduta faz parte da campanha "Syngenta Fora do Brasil", lançada após a morte de Keno, na invasão do Paraná.

Ocorre que aquela unidade da Syngenta, no Paraná já fora invadida pela Via Campesina, em 2006, em protesto contra sementes transgênicas. Em cumplicidade política com essa e com o MST o governador Requião, após esse fato determinou a desapropriação da fazenda da Syngenta, mas o decreto foi anulado pela Justiça. No entanto, o apoio explícito do Governador estimulou a nova invasão, quando ocorreram as mortes. Conforme noticiamos, na época, o Presidente da OAB de Cascavel, Luciano Braga Cortes, acusou o governo do Paraná de responsabilidade no confronto.

Em seguida, conforme se viu na Mídia, houve uma sucessão de acontecimentos escandalosamente patrocinados pelas autoridades estaduais, de proteção ao MST e à Via Campesina. Ao contrário, houve perseguição às vítimas do vandalismo e dos danos à economia da empresa e do país, em combinação com o desrespeito à ordem jurídica.

Primeiramente, a Polícia Civil do Paraná prendeu sete seguranças, acusados de "formação de quadrilha" e de “exercício arbitrário das próprias razões”, enquanto nenhum dos invasores que portavam armas, renderam seguranças e mataram um deles foram, ao menos, incomodados.
Esta mesma Polícia que indiciou o dono da empresa pela morte do líder da invasão, agora preso preventivamente a seu pedido, do outro lado, não indiciou ninguém pela morte do segurança, funcionário que cumpria o seu dever, no local. Esse foi assassinado com um disparo de arma de fogo na cabeça, mas a mesma polícia negou-se a procurar armas entre os invasores, na área que o MST e Via Campesina ocuparam. Além disso, a Polícia Militar do Paraná disse que não iria desocupar à força a fazenda invadida, pois “os movimentos sociais não devem ser tratados dessa forma". Ainda, segundo disse, houve abusos de ambos os lados, mas ... "Se alguém tinha a idéia de tratar os movimentos sociais na lei do 44 como se fazia antigamente, vai ter uma resposta”.
Igualmente o Delegado Chefe do Departamento da Divisão de Interior criticou a tentativa de reintegrar a área invadida, através dos seguranças, sem buscar o apoio do Judiciário, mas não disse uma única palavra a propósito do ato praticado pelo MST e Via Campesina, em assalto a uma propriedade privada.

A fazenda continuou invadida, protegida por cercas de arame farpado, como numa operação de guerra. As entradas resguardadas pelos homens da Polícia Militar e no seu interior, além de rondas permanentes dos militantes, vitoriosamente tremulam as bandeiras do MST e da Via Campesina. "Após o conflito com seguranças que deixou dois mortos, os trabalhadores sem-terra montaram quase uma operação de guerra para isolar a fazenda experimental da empresa Syngenta Seeds, em Santa Teresa do Oeste ( 540 Km de Curitiba), invadida por eles no último domingo” (Folha de S. Paulo de 24.10.2007).

Agora, a notícia mais recente. Os seguranças foram presos. Seguramente serão liberados, assim que o Tribunal seja acionado, mas a prisão do proprietário da empresa de segurança é como um emblema para a Polícia de Requião, seguramente cúmplice da empreitada. O que pretendem os inimigos da ordem jurídica e os implantadores do caos social outra coisa não é do que desestimular a resistência, o desforço na legítima defesa da propriedade, o que é previsto na lei.
Ora, se a Polícia não protege a propriedade, se o dono não se pode valer do desforço próprio imediato (como a lei prevê), melhor mesmo é admitir que o direito de propriedade está acabando no Brasil, antes que Chavez o faça, na Venezuela.

Mas o Ministério Público conseguiu envolver na denúncia também os líderes da invasão, o que a polícia não fizera. No entanto, esses se evadiram e jamais serão encontrados, pois, como se sabe, mudam de identidades, de locais, de acampamentos e esconderijos, pois há velhacoutos deles em todos os rincões do país, até mesmo no interior de Igrejas. Enquanto isso, a internacional Via Campesina e o MST lançaram o Movimento “Syngenta fora do Brasil” e pretendem afastar do país uma empresa honesta e progressista, uma das maiores e mais valorosas do agronegócio. É preciso ação contrária da sociedade, sob pena de sermos um a um, ou uma a uma, expulsos pelos malfeitores, piratas modernos de uma política demagógica.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Chávez e a propriedade privada



Proposta de Chávez Acabava Com a Propriedade Privada



Na terça-feira anterior ao plebiscito de domingo (dois de dezembro) o presidente venezuelano, Hugo Chávez, afirmou claramente que usaria a reforma constitucional para “desmontar progressivamente” o conceito da propriedade privada no país que, segundo ele, não tem lugar dentro de sua “revolução socialista do século XXI”. De acordo a proposta, a mudança de 33 artigos da Constituição garantiria “a socialização dos meios de produção, da propriedade pessoal, da familiar, a pequena propriedade privada e a pequena e média empresa”.

O texto proposto, e que foi derrotado no referendo, previa cinco tipos de propriedades:
1) a social, pertencente ao povo e controlada pelo Estado;
2) a coletiva, pertencente a grupos sociais ou comunitários, mas sob o controle do Estado;
3) a mista, com participação do setor privado e do Estado, mas sob o controle deste;
4) a pública, administrada pelo governo;
5) e a privada, que poderia ser confiscada quando afetasse os direitos de terceiros ou da sociedade.

“Não queremos a empresa privada com o objetivo de acumular riqueza à custas da miséria dos demais e vamos desmontá-la progressivamente”, afirmou o presidente. “Queremos uma empresa que trabalhe em função do socialismo e dos interesses sociais, produzindo aquilo que é necessário para satisfazer as necessidades da comunidade.” Chávez afirmou, ainda, que apenas o socialismo "garante a propriedade privada: o uso da casa, da roupa, do tempo livre", o que, segundo ele, é negado no capitalismo.

Não parece que, imediatamente, após a (então) esperada aprovação do plebiscito e da Reforma Constitucional, viessem a ruir os princípios que sustentam a propriedade privada na Venezuela. Não! Naturalmente o que se esperava que acontecesse era a ampla liberdade para que a legislação ordinária regulamentasse a expropriação de terras, dando alto valor aos grupos sociais que reivindicam, invadem e combatem a iniciativa privada.

Para o cientista político venezuelano Alberto Garrido, autor de vários livros sobre o chavismo, com a reforma constitucional o presidente venezuelano pretendia uma transição menos brusca do capitalismo para o socialismo. “A Venezuela busca o socialismo, sem ser socialista”.

No Brasil, o MST, enquanto movimento político, apoiava a reforma. Segundo informou a BBC Brasil, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) aplaudiu as medidas adotadas pelo governo venezuelano, e afirmou que deveriam servir de modelo para o Brasil. Valquimar Reis, da coordenação nacional do MST declarou que com essa iniciativa, a Venezuela se colocava um passo adiante do Brasil.

Não é difícil constatar que o MST vai, cada vez mais, se enveredando por ações próprias na luta pela inviabilização da propriedade privada. De outro lado, as fazendas ocupadas pelo movimento, e outros semelhantes, sempre subvencionadas por dinheiro público, tem servido permanentemente de base de apoio para os ataques de caráter quase militar. Verdadeiros centros de treinamento de guerrilhas.

O cientista político da Universidade Estadual Paulista, Tullo Vigevani, disse para o Estado de São Paulo, a propósito dessas reformas, que: “Nesse momento estão em discussão a potencialidades de acesso mais direto da população à riqueza e a condições de vida menos desiguais em relação ao que existe tradicionalmente na Venezuela.” Lá, como cá, há defensores das reformas também entre os intelectuais e a Mídia, o que traz para as nossas portas o risco de um rompimento do sistema jurídico.

O caminho que vai tomando esta realidade política no Brasil é muito perigoso. Não creio que na atual composição do Congresso Nacional seja possível essa ruptura, mas em futuras legislaturas da Câmara e do Senado é preciso muita atenção, para que não ocorra. Propostas virão.

Cada dia há mais eleitores seduzidos por ideais de combate à iniciativa privada e ao patrimônio individual, em virtude de suas própria inaptidão para progredir no atual sistema político. Ou de sobrevivência sem que sejam contemplados por “cestas básicas”, auxílios diversos (moradia, gás, desemprego, escola, etc.) e as chamadas “cotas”.

Os movimentos do tipo MST, no entanto, estão mais próximos da “revolução socialista do século XXI” anunciada por Hugo Chávez, do que da própria atuação do Presidente da República, Lula da Silva, muito mais clientelista do que qualquer outra coisa.

Parece que Chávez quer, agora ainda, liderar o movimento agro reformista na América Latina. Em 30 de janeiro próximo estará em Porto Alegre, onde participará do Fórum Social Mundial e transmitirá um programa de televisão para a Venezuela e outros países, diretamente de um acampamento do MST, além de participar de uma manifestação contra os transgênicos, provavelmente ao lado da “Via Campesina”. Pelo menos é o que esperava fazer, antes da vitória do ”No”!

A China e a propriedade privada

Vigora na China, Nova e Histórica Lei de Propriedade Privada


Desde Outubro vigoram novas regras legais na China. O Parlamento Chinês aprovou um histórico diploma jurídico que garante igual proteção por parte do governo central, tanto às propriedades públicas, quanto às privadas. A aprovação da nova lei, chamada da propriedade privada, foi precedida de um dos maiores debates da história do Partido Comunista Chinês, com um grupo de membros da legenda contestando possíveis alterações jurídicas. Consideravam a lei como sendo uma ameaça ao papel principal do Estado na economia e na sociedade, em um país, ainda clara e formalmente socialista. Para esses, esta lei abre as portas a um processo de privatização sem limites de bens do Estado, aumentando o fosso entre os mais ricos e mais pobres. Na China, ao contrário dos países ocidentais, o debate da lei se dá no âmbito do partido e não do parlamento, devido à unicidade partidária.
Os mais radicais também defendiam que a lei permitiria aos funcionários estatais corruptos manter a posse de bens adquiridos de forma ilegal. Mais de três mil ex-ministros, líderes intelectuais e militares superiores na reserva firmaram uma carta aberta de oposição à lei da propriedade privada, que sempre foi um dos temas mais polarizadores entre a ala liberal e a conservadora do Partido Comunista. A força da ideologia histórica e dogmática, bem como a oposição dos socialistas mais ortodoxos fez com que o projeto de lei passasse por discussões também legislativas por mais de 14 anos, com nada menos que sete leituras de novas redações no Congresso do Povo. Este número não possui precedentes numa Casa que tem um papel quase que somente cerimonial, pois nunca rejeitou qualquer projeto de lei, orçamento ou documento que o governo tivesse submetido à aprovação dos legisladores. Esse fato evidencia uma rara cisão no então monolítico Partido Comunista e reconhece a força das classes médias urbanas.
Com 247 artigos e 40 páginas, a lei entrou em vigor em 1º de outubro e estipula que "a propriedade do Estado e da coletividade, do indivíduo e de outros proprietários, é protegida por lei", e que "nenhuma unidade ou indivíduo pode infringir este direito". Reconhece-se, assim, a importância cada vez maior do setor privado chinês, desde as reformas econômicas realizadas no final da década de 1970. A iniciativa privada representa, hoje, cerca de 65% do Produto Interno Bruto (PIB) e de 70% das receitas fiscais do Estado.
Certo é que a nova legislação tem como um dos objetivos principais a proteção dos direitos de proprietários de casas nas cidades, onde a taxa de respeito à propriedade privada é superior a 80 por cento, mas sem nenhuma clareza quanto à proteção da propriedade privada. Isso vinha sendo um desestímulo ao setor imobiliário e à construção civil. Mas, ao regulamentar também a propriedade rural e compensações para os casos de expropriação de terra, a nova legislação poderá ser usada para defender interesses da classe social mais pobre da China, os agricultores, dando a eles ferramentas legais para salvaguarda de seus direitos. É que, até então, paira a acusação de que através de um esquema de corrupção autoridades fundiárias obrigam freqüentemente os agricultores a cederem suas terras com baixas remunerações, para depois as transferirem por preços muito mais elevados. Com essas novas regras é esperado um processo de mais desenvolvimento de infra-estruturas, parques industriais e projetos imobiliários.
É muito relevante esse fato, ou seja, o reconhecimento histórico da importância da propriedade privada como valor social de desenvolvimento e a absoluta necessidade de seu reconhecimento jurídico para permitir os avanços do progresso econômico e social da China e seu ingresso no mundo moderno. Os detalhes da lei são de pouquíssima monta. O que importa é que sua aprovação se deu por amplíssima maioria, ou seja, 2799 votos a favor e apenas 89 contrários. Parece, até mesmo, que por todos esses anos socialistas, em que o direito de propriedade privada andou suspenso na China, malgrado os bons sucessos do equilíbrio social, manteve-se acesa a chama da vontade de participação privada na economia, como um sentimento muito forte no coração do povo.
Enquanto isso, Chavez caminhou ao contrário. A Venezuela, de sistema jurídico de tradição românica propõe mudanças históricas no regime da propriedade, relativizando-a, de tal forma que a insegurança jurídica passaria a ser a tônica. Apesar disso e do entusiasmado apoio de ideólogos civilistas, a proposta não passou. O plebiscito a rejeitou. Mas a rejeição ocorreu por maioria muito pequena e não se sabe, ainda, quais as reformas constitucionais foram as que levaram o povo a votar no não. Certo é que a oposição, fraca e desmoralizada, não foi capaz de vencer, o plebiscito. Setores próximos ao governo e a grande abstenção contribuiu. Paira, ainda, no meio de intelectuais e juristas da América Latina, uma nuvem pesada de caminhada ao contrário da chinesa jornada.

" Consciência Negra "

O Resgate Histórico e a Condução das Massas

Somos um povo de muitas raças. A minha, em particular, é branca, caucasiana. Descendo de portugueses da velha cepa, anterior à dominação romana. Mais velha que a conquista da península pelos árabes e muito mais antiga do que a dos povos bárbaros que dominaram a Lusitânia depois da queda do Império Romano.
Convivo muito com o sangue oriental que aqui aportou no primeiro navio, o Kasato Maru, em 1908, com 165 famílias de japoneses pobres para trabalhar nas prósperas fazendas de café do estado de São Paulo. Comeram o “pão que o diabo amassou”, pelo que diziam meus avós. Também com os descendentes de colonos alemães de logo após a primeira guerra mundial e de italianos do final do século XIX. Cadinho de povos que, com árabes, castelhanos e galegos, bem como os de origem africana, muito bem se misturaram com o autóctone e geraram o continente racial brasileiro.
Recebemos menor número de imigrantes que os Estados Unidos, por exemplo. Mas não há paralelo entre a colonização do Brasil e a do grande país do Norte. Ambos receberam enorme contigente escravo, de cuja mão de obra se valeram para o desenvolvimento da economia, de forma a permitir o povoamento dos rincões mais distantes. Ambos os tipos de colonizadores avançaram sobre as terras desconhecidas e combateram e exterminaram cruelmente as populações autóctones.
Em um livro famoso, ”Bandeirantes e Pioneiros”, tempos atrás, Viana Moog buscava explicação para a diversidade de resultados da colonização norte-americana e brasileira em termos das diferenças entre os propósitos do pioneiro inglês, que vinha ao Novo Mundo se estabelecer com sua família, e os do bandeirante português, que cruzava o interior brasileiro na busca de escravos e ouro. O pioneiro conquistava um continente para construir uma nova pátria, enquanto o bandeirante, longe de ser um herói, como os laureados pelos poetas (Olavo Bilac celebrou Fernão Dias) não passava de um predador, cuja única preocupação era a de se enriquecer, o quanto antes, para voltar ao Reino, com as burras cheias.
Tanto lá como cá, a sociedade tem uma dívida de honra para com os negros. Foram eles e não outros, que nos serviram como meio de produção, na época em que não havia máquinas, nem energia elétrica ou a vapor e pouquíssimos animais de tração. O trabalho escravo fez a economia tanto das Treze Colônias, quanto a do Império do Brasil.
Lá, a Guerra da Secessão ensangüentou as colônias, e foi o batismo de sangue da libertação dos escravos. Sacrificou um presidente, Lincoln. Cá, uma princesa européia, Isabel, de sangue da maior nobreza, outorgou a libertação. Não custou a vida, mas pesou para a perda da coroa e para a instalação do Regime Republicano.
Proclamada a República, nada mudou para o povo. Os antes deputados do Império voltaram à Câmara, agora, como deputados da República. Os títulos de nobreza foram respeitados e, depois, gradualmente substituídos por graduações militares. A “Guarda Nacional” substitui a hierarquia aristocrática. Daí o regime dos coronéis.
Pode se dizer que, para a massa popular, a proclamação feita por Deodoro na Praça de Santana em XV de Novembro, não passou de autêntica demagogia. Demagogia é termo grego que na sua expressão primitiva significava uma forma de condução, de liderança do povo, sem qualquer sentido pejorativo. Assim eram demagogos homens como Sólon, Péricles e Demóstenes, intimamente ligados à defesa da democracia. Mas Aristóteles, mesmo, é que dizia que, da mesma forma que a política aristocrática conduz à tirania, como sua caricatura, a demagogia é forma extremada e também caricata da democracia. Até que a expressão ganhou novo sentido.
Assim é que demagogia passou a ser uma forma sutil de enganar. De fazer passar por boa uma idéia, um projeto, ou uma ação, que não sendo má, será simplesmente inócua. Após a morte de Péricles surgiram novos líderes atenienses fortemente criticados pelos adversários dos modelos democráticos. Por causa deles é que a expressão ganhou a conotação atual: aquela de ação que procura dar vez, bajular e agradar as massas, atendendo-lhes aos medos, aos preconceitos, ás esperanças e socorros imediatos. Ou, para dar sentido mais pejorativo, como sendo a arte de conduzir habilmente as pessoas ao objetivo desejado, utilizando os seus conceitos do que lhe seria melhor e de seus desejos, mesmo sabendo que os resultados lhes serão contrários. Convém lembrar novamente de Aristóteles (Política, livro V), onde acentua que o demagogo utiliza a lisonja e os artifícios oratórios para conduzir o povo no sentido dos seus (dele) propósitos pessoais. Atestando a existência dessa prática política, sabe-se que, ainda no século XIX, Lincoln assinalava ser possível enganar uma pessoa uma só vez; mas impossível enganar alguém o tempo todo ou a todos, de uma vez.
Aqui, entre nós, a demagogia se institucionalizou. Tanto entre os políticos, como nos meios de comunicação. Estamos repletos de ações aparentando ser de boas intenções, mas que se não prejudiciais, são no mínimo inócuas. Nesse contexto os legisladores suprimiram do Código Civil a expressão homem, como sujeito de direitos e substituíram por pessoa, para que não soasse “machista”. Outros criaram cotas para as mulheres, garantindo-lhes vagas nos quadros de candidatos de cada partido, iludindo as feministas de plantão de que isso as levaria à eleição. Vagas essas que não costumam ser preenchidas e, quando o são, não asseguram sucesso nas eleições proporcionais, que depende de votos individuais. Passaram a ser colaboradoras de votos para os pequenos partidos e seus demais candidatos.
As cotas para deficientes físicos no serviço público e na iniciativa privada fazem com que, no primeiro caso, caia a qualidade da prestação de serviço num país, que mesmo as pessoas plenamente válidas não gozam de pleno emprego. No segundo, que, entre empresários, passe a ser objeto de negociação a bolsa de funcionários com menor deficiência, sempre em detrimento do custo financeiro que, como se sabe, reverte finalmente ao bolso do consumidor.
Não queria falar de cotas nas universidades públicas, que poderão levar essas excelentes casas de ensino ao sucateamento, em virtude da menos excelente qualidade dos candidatos escolhidos, mas falei ! Enquanto isso, pessoas igualmente pobres, cujos antepassados vieram para o Brasil como grumetes ou servos dos navios, deles tendo fugido, e não como escravos, da mesma forma que antes, não terão acesso às universidades públicas porque o sacrifício dos avoengos não foi celebrado no panteão da pátria.
Quanto aos escravos brasileiros, é preciso ler os viajantes do Século XVIII e XIX para que se perceba, no contexto histórico que, afora a condição jurídica de “não pessoa” na sociedade, do tratamento de “coisa”, que lhe dava as “Ordenações do Reino”, tinham vida melhor do que viviam no próprio continente africano. Saint Hilaire, humanista de carteirinha, dizia que tinham vida melhor do que o camponês da França, daquele tempo (Viagem às Nascentes do São Francisco). Se pensarmos que nos próprios quilombos, como no dos Palmares, sua hierarquia contemplava o poder de uma liderança negra escravocrata e no piso social também havia escravos, começaremos a encarar o passado com os olhares da época.
O sentimento de reparação ao sofrimento trazido com a escravatura clama por reparação das injustiças. Há uma comoção nacional que tomou conta não só do sentimento religioso do povo, mas de grande parte da intelectualidade, da mídia, da classe política e, - porquê não dizer? - da comunidade negra. Com este sentimento vieram as leis.
Não há reparação que se faça às injustiças do passado. A Espanha jamais poderá reparar o morticínio que Cortez e Pizarro implantaram com o extermíno dos Aztecas ou a execução de Montezuma e Tupac Amaru, nem os EUA da América poderão reparar as mortes de Hiroshima e Nakasaki. A morte de Zumbi não é diferente da morte de Viriato, na Serra da Estrela. Por dez anos o herói luso sustentou uma guerra contra os invasores romanos. Derrotou-os por diversas vezes nas campanhas. Era letrado e tinha conhecimento da religião antiga dos celtas. Mas foi traído e morto por seus generais, a mando de Quinto Servílio Cipião. E com ele também foi subjugada a Lusitânia. Não há reparação para a perda dos valores religiosos, culturais, econômicos e históricos que se abateu sobre Portugal. História é isso. Constrói-se com vitórias, derrotas, massacres e prejuízos irreparáveis. Não há reparação para a morte de Zumbi e de Viriato. Fizeram-se líderes de povos e assumiram uma luta pela qual sucumbiram. Se tivessem vencido, a história seria narrada diferentemente. Talvez lamentássemos pelo romanismo perdido, ou pelo país dos Palmares, à parte da Paraíba.
Assim é que não se justifica a celebração da “consciência negra” como feriado nacional, nem da “consciência céltica” se justificaria entre nossos avózinhos de além-mar. São fatos de importância histórica os que são celebrados no dia 20 de novembro, mas não mais importante que o 13 de maio. Em 1888 a revolução abolicionista destruiu o modo de produção escravista colonial através de Resolução da Câmara de Deputados conservadores, composta, na sua imensa maioria, por proprietários e fazendeiros. Os critérios para alcançar a Abolição eram objetivos dos deputados das últimas legislaturas do Império. Foi a reivindicação da liberdade civil que uniu a luta dos cativos rurais à dos cativos urbanos, pouco representativos, com a sociedade civil, então senhorial.
Mas os representantes da “consciência negra” são órfãos da ausência de um cadafalso ou de uma guilhotina. Não se conquistou a liberdade com sangue, nem através da luta. Não aconteceu como com Luís XVI e Maria Antonieta, em 1789, nem como com os Tudor, na Inglaterra, ou no caso da família do Czar Nicolau, na União Soviética, em 1917. À falta do sangue redentor, venha a substituição do fato histórico de real importância, a abolição, pelo da guerra perdida do Rei do Quilombo frente o bandeirante paulista, que é importante muito mais pelo mártir que foi criado, do que pelo resultado histórico.

O Rio São Francisco, a Cana e a Mídia

Estado de Minas (19/11/2007)

A notícia:

Canaviais Ameaçam Nascentes do Rio São Francisco

“O crescimento de 58,31% na área destinada ao plantio de cana-de-açúcar no Centro-Oeste de Minas Gerais, onde estão as nascentes do São Francisco, põe em risco a vida no nascedouro do rio. De julho de 2006 a julho de 2007, a área reservada à cultura na região passou de 22.842 hectares para 33.876 hectares. No mesmo período, a produção aumentou de 1,7 milhão para 2,57 milhões de toneladas por ano, o equivalente a um crescimento de 50,63%.”

Entre outras conseqüências para o meio ambiente, especialistas destacam o assoreamento, contaminação do lençol freático, desmatamento e comprometimento das matas ciliares. As empresas de açúcar e álcool se defendem, alegando que trazem desenvolvimento, obedecem à legislação e a atividade não causa danos à natureza. ‘As pessoas que falam em ameaças estão desinformadas’, afirma Luciano Rogério de Castro, superintendente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Minas Gerais.”

‘O aumento do plantio em direção à cabeceira do São Francisco só vai prejudicar a região e o rio’, alerta o presidente do Comitê da Bacia dos Afluentes do Alto São Francisco, Lessandro Gabriel da Costa, que mora em Lagoa da Prata. Segundo ele, o desmatamento é o maior estrago provocado pela monocultura da cana. ‘Com a retirada da vegetação, o solo fica descoberto. Se não for feito um trabalho preventivo, aumenta o processo de erosão dos pequenos rios’, diz. O presidente do comitê salienta que 80% das águas do Velho Chico saem de Minas Gerais. ‘Mas, em torno de 60% dessa quantidade sai da nossa região’, observa.

Comentário:

Os Diários Associados, na sua tradição histórica, estão sempre encontrando motivos para campanhas aparentemente patrióticas. (Lembram-se de “Ouro para o bem do Brasil”?) Parece que abrem, agora, a campanha contra a transposição das águas do São Francisco, mas começam, em Minas, mostrando o aumento da monocultura da cana de açúcar nas suas nascentes históricas.

Já há um consenso de que toda monocultura é prejudicial. Há quem afirme que as secas do Nordeste tenham sido mais perniciosas a partir do avanço da monocultura da cana que dizimou a Mata Atlântica. Há informações científicas de que a monocultura sujeita a vegetação a boa sorte de pragas (o que a faz anti-econômica), destrói o solo, aumenta o assoreamento e ajuda a exterminar com a fauna terrestre, das lagoas e dos rios.

Mas ainda está longe de se alcançar a monocultura prejudicial nas nascentes do São Francisco. Ainda não é hora do alerta vermelho. É preciso que não sejam os órgãos da Imprensa, as cassandras do terror. O papel da mídia é informar. Não precisa amedrontar, assustar, apavorar o leitor. Apesar disso, os órgãos de informação se consideram muito mais “formadores de opinião”, que qualquer outra coisa. Na ânsia de formar opinião provocam manchetes preocupantes. A manchete principal do maior jornal de Minas é desse tipo: “Canaviais ameaçam nascentes do Rio São Francisco”. A matéria, para o leitor que vai até ao fim, não causa maiores desconfortos, mas a opinião estampada na chamada da capa é opinativa, visa a preocupação, não exatamente informar. Dá idéia de que o Rio está ameaçado de morte. Aliás, logo no início diz o texto que o crescimento da lavoura de cana “põe em risco a vida no nascedouro do rio”.

A forma de desenvolvimento da matéria anuncia alguns dos vilões desse caso. A multinacional que arrenda terras para plantio de cana e fornecimento de sua indústria, os pobres dos proprietários arrendadores, bem como os incentivadores do Etanol, novíssimos e maldosos concorrentes dos Países Árabes, da Nigéria e da Venezuela. Nem de longe seria capaz de veicular que boas leis, nós as temos, e que, se os órgãos encarregados de sua aplicação, velassem melhor por elas, jamais haverá de se correr o risco preconizado. Mas a mídia não quer ir ao cerne do problema. Não quer tocar a mácula, o nervo exposto da questão ambiental. Não lhe interessa alcançar os fiscais e os agentes, aqueles que (bem ou mal) autorizam a prática da agricultura e os que fiscalizam a correta aplicação da lei. Esses são pequenos e não se sentirão incomodados, ao contrário dos proprietários e dos industriais, que só poderão reverter uma campanha negativa com aplicação de seus recursos de propaganda nos próprios órgãos midiáticos. Para fazer frente a campanhas contrárias é preciso ocupar espaço e esse tem preço, evidentemente.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, portanto! O desenvolvimento do etanol, além de ajudar a economizar divisas, combate à poluição atmosférica e ajuda a diminuir o efeito estufa e o aquecimento global. As multinacionais não devem ser vistas com xenofobia, mas suas remessas de lucros é que devem ser controladas. O pobre do arrendador de terras no Alto São Francisco é uma espécie de órfão da péssima política da pecuária leiteira (que não bastante o mau regime de preços do produto, recentemente conheceu outro golpe, esse das cooperativas que fraudavam o leite longa vida). Merece o respeito da mídia e não pode ser tratado como um mercenário, um gigolô de suas terras.

Para evitar os malefícios anunciados, basta a aplicação das leis. Montesquieu, há trezentos anos, já dizia que, “boas leis existem em todo lugar, mas para se saber se o país é bom e culturalmente desenvolvido basta saber se são bem aplicadas.”

É preciso, em conclusão, mais cuidado ambiental, sim, com as nascentes dos nossos rios, mais atenção às leis, através de agentes incorruptíveis e, sobretudo, mais cautela na leitura das informações da Imprensa.