terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O Rio São Francisco, a Cana e a Mídia

Estado de Minas (19/11/2007)

A notícia:

Canaviais Ameaçam Nascentes do Rio São Francisco

“O crescimento de 58,31% na área destinada ao plantio de cana-de-açúcar no Centro-Oeste de Minas Gerais, onde estão as nascentes do São Francisco, põe em risco a vida no nascedouro do rio. De julho de 2006 a julho de 2007, a área reservada à cultura na região passou de 22.842 hectares para 33.876 hectares. No mesmo período, a produção aumentou de 1,7 milhão para 2,57 milhões de toneladas por ano, o equivalente a um crescimento de 50,63%.”

Entre outras conseqüências para o meio ambiente, especialistas destacam o assoreamento, contaminação do lençol freático, desmatamento e comprometimento das matas ciliares. As empresas de açúcar e álcool se defendem, alegando que trazem desenvolvimento, obedecem à legislação e a atividade não causa danos à natureza. ‘As pessoas que falam em ameaças estão desinformadas’, afirma Luciano Rogério de Castro, superintendente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Minas Gerais.”

‘O aumento do plantio em direção à cabeceira do São Francisco só vai prejudicar a região e o rio’, alerta o presidente do Comitê da Bacia dos Afluentes do Alto São Francisco, Lessandro Gabriel da Costa, que mora em Lagoa da Prata. Segundo ele, o desmatamento é o maior estrago provocado pela monocultura da cana. ‘Com a retirada da vegetação, o solo fica descoberto. Se não for feito um trabalho preventivo, aumenta o processo de erosão dos pequenos rios’, diz. O presidente do comitê salienta que 80% das águas do Velho Chico saem de Minas Gerais. ‘Mas, em torno de 60% dessa quantidade sai da nossa região’, observa.

Comentário:

Os Diários Associados, na sua tradição histórica, estão sempre encontrando motivos para campanhas aparentemente patrióticas. (Lembram-se de “Ouro para o bem do Brasil”?) Parece que abrem, agora, a campanha contra a transposição das águas do São Francisco, mas começam, em Minas, mostrando o aumento da monocultura da cana de açúcar nas suas nascentes históricas.

Já há um consenso de que toda monocultura é prejudicial. Há quem afirme que as secas do Nordeste tenham sido mais perniciosas a partir do avanço da monocultura da cana que dizimou a Mata Atlântica. Há informações científicas de que a monocultura sujeita a vegetação a boa sorte de pragas (o que a faz anti-econômica), destrói o solo, aumenta o assoreamento e ajuda a exterminar com a fauna terrestre, das lagoas e dos rios.

Mas ainda está longe de se alcançar a monocultura prejudicial nas nascentes do São Francisco. Ainda não é hora do alerta vermelho. É preciso que não sejam os órgãos da Imprensa, as cassandras do terror. O papel da mídia é informar. Não precisa amedrontar, assustar, apavorar o leitor. Apesar disso, os órgãos de informação se consideram muito mais “formadores de opinião”, que qualquer outra coisa. Na ânsia de formar opinião provocam manchetes preocupantes. A manchete principal do maior jornal de Minas é desse tipo: “Canaviais ameaçam nascentes do Rio São Francisco”. A matéria, para o leitor que vai até ao fim, não causa maiores desconfortos, mas a opinião estampada na chamada da capa é opinativa, visa a preocupação, não exatamente informar. Dá idéia de que o Rio está ameaçado de morte. Aliás, logo no início diz o texto que o crescimento da lavoura de cana “põe em risco a vida no nascedouro do rio”.

A forma de desenvolvimento da matéria anuncia alguns dos vilões desse caso. A multinacional que arrenda terras para plantio de cana e fornecimento de sua indústria, os pobres dos proprietários arrendadores, bem como os incentivadores do Etanol, novíssimos e maldosos concorrentes dos Países Árabes, da Nigéria e da Venezuela. Nem de longe seria capaz de veicular que boas leis, nós as temos, e que, se os órgãos encarregados de sua aplicação, velassem melhor por elas, jamais haverá de se correr o risco preconizado. Mas a mídia não quer ir ao cerne do problema. Não quer tocar a mácula, o nervo exposto da questão ambiental. Não lhe interessa alcançar os fiscais e os agentes, aqueles que (bem ou mal) autorizam a prática da agricultura e os que fiscalizam a correta aplicação da lei. Esses são pequenos e não se sentirão incomodados, ao contrário dos proprietários e dos industriais, que só poderão reverter uma campanha negativa com aplicação de seus recursos de propaganda nos próprios órgãos midiáticos. Para fazer frente a campanhas contrárias é preciso ocupar espaço e esse tem preço, evidentemente.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, portanto! O desenvolvimento do etanol, além de ajudar a economizar divisas, combate à poluição atmosférica e ajuda a diminuir o efeito estufa e o aquecimento global. As multinacionais não devem ser vistas com xenofobia, mas suas remessas de lucros é que devem ser controladas. O pobre do arrendador de terras no Alto São Francisco é uma espécie de órfão da péssima política da pecuária leiteira (que não bastante o mau regime de preços do produto, recentemente conheceu outro golpe, esse das cooperativas que fraudavam o leite longa vida). Merece o respeito da mídia e não pode ser tratado como um mercenário, um gigolô de suas terras.

Para evitar os malefícios anunciados, basta a aplicação das leis. Montesquieu, há trezentos anos, já dizia que, “boas leis existem em todo lugar, mas para se saber se o país é bom e culturalmente desenvolvido basta saber se são bem aplicadas.”

É preciso, em conclusão, mais cuidado ambiental, sim, com as nascentes dos nossos rios, mais atenção às leis, através de agentes incorruptíveis e, sobretudo, mais cautela na leitura das informações da Imprensa.

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