terça-feira, 4 de dezembro de 2007

A China e a propriedade privada

Vigora na China, Nova e Histórica Lei de Propriedade Privada


Desde Outubro vigoram novas regras legais na China. O Parlamento Chinês aprovou um histórico diploma jurídico que garante igual proteção por parte do governo central, tanto às propriedades públicas, quanto às privadas. A aprovação da nova lei, chamada da propriedade privada, foi precedida de um dos maiores debates da história do Partido Comunista Chinês, com um grupo de membros da legenda contestando possíveis alterações jurídicas. Consideravam a lei como sendo uma ameaça ao papel principal do Estado na economia e na sociedade, em um país, ainda clara e formalmente socialista. Para esses, esta lei abre as portas a um processo de privatização sem limites de bens do Estado, aumentando o fosso entre os mais ricos e mais pobres. Na China, ao contrário dos países ocidentais, o debate da lei se dá no âmbito do partido e não do parlamento, devido à unicidade partidária.
Os mais radicais também defendiam que a lei permitiria aos funcionários estatais corruptos manter a posse de bens adquiridos de forma ilegal. Mais de três mil ex-ministros, líderes intelectuais e militares superiores na reserva firmaram uma carta aberta de oposição à lei da propriedade privada, que sempre foi um dos temas mais polarizadores entre a ala liberal e a conservadora do Partido Comunista. A força da ideologia histórica e dogmática, bem como a oposição dos socialistas mais ortodoxos fez com que o projeto de lei passasse por discussões também legislativas por mais de 14 anos, com nada menos que sete leituras de novas redações no Congresso do Povo. Este número não possui precedentes numa Casa que tem um papel quase que somente cerimonial, pois nunca rejeitou qualquer projeto de lei, orçamento ou documento que o governo tivesse submetido à aprovação dos legisladores. Esse fato evidencia uma rara cisão no então monolítico Partido Comunista e reconhece a força das classes médias urbanas.
Com 247 artigos e 40 páginas, a lei entrou em vigor em 1º de outubro e estipula que "a propriedade do Estado e da coletividade, do indivíduo e de outros proprietários, é protegida por lei", e que "nenhuma unidade ou indivíduo pode infringir este direito". Reconhece-se, assim, a importância cada vez maior do setor privado chinês, desde as reformas econômicas realizadas no final da década de 1970. A iniciativa privada representa, hoje, cerca de 65% do Produto Interno Bruto (PIB) e de 70% das receitas fiscais do Estado.
Certo é que a nova legislação tem como um dos objetivos principais a proteção dos direitos de proprietários de casas nas cidades, onde a taxa de respeito à propriedade privada é superior a 80 por cento, mas sem nenhuma clareza quanto à proteção da propriedade privada. Isso vinha sendo um desestímulo ao setor imobiliário e à construção civil. Mas, ao regulamentar também a propriedade rural e compensações para os casos de expropriação de terra, a nova legislação poderá ser usada para defender interesses da classe social mais pobre da China, os agricultores, dando a eles ferramentas legais para salvaguarda de seus direitos. É que, até então, paira a acusação de que através de um esquema de corrupção autoridades fundiárias obrigam freqüentemente os agricultores a cederem suas terras com baixas remunerações, para depois as transferirem por preços muito mais elevados. Com essas novas regras é esperado um processo de mais desenvolvimento de infra-estruturas, parques industriais e projetos imobiliários.
É muito relevante esse fato, ou seja, o reconhecimento histórico da importância da propriedade privada como valor social de desenvolvimento e a absoluta necessidade de seu reconhecimento jurídico para permitir os avanços do progresso econômico e social da China e seu ingresso no mundo moderno. Os detalhes da lei são de pouquíssima monta. O que importa é que sua aprovação se deu por amplíssima maioria, ou seja, 2799 votos a favor e apenas 89 contrários. Parece, até mesmo, que por todos esses anos socialistas, em que o direito de propriedade privada andou suspenso na China, malgrado os bons sucessos do equilíbrio social, manteve-se acesa a chama da vontade de participação privada na economia, como um sentimento muito forte no coração do povo.
Enquanto isso, Chavez caminhou ao contrário. A Venezuela, de sistema jurídico de tradição românica propõe mudanças históricas no regime da propriedade, relativizando-a, de tal forma que a insegurança jurídica passaria a ser a tônica. Apesar disso e do entusiasmado apoio de ideólogos civilistas, a proposta não passou. O plebiscito a rejeitou. Mas a rejeição ocorreu por maioria muito pequena e não se sabe, ainda, quais as reformas constitucionais foram as que levaram o povo a votar no não. Certo é que a oposição, fraca e desmoralizada, não foi capaz de vencer, o plebiscito. Setores próximos ao governo e a grande abstenção contribuiu. Paira, ainda, no meio de intelectuais e juristas da América Latina, uma nuvem pesada de caminhada ao contrário da chinesa jornada.

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